quinta-feira, 4 de julho de 2013

O álcool e a urina


Para entender bem os efeitos diuréticos do álcool no organismo humano, é necessário antes compreender a ação de um hormônio muito importante na regulação da pressão arterial chamado de vasopressina ou ADH[1] (sigla, em inglês, para hormônio antidiurético).
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A água consegue permear as células epiteliais  que revestem os ductos coletores renais graças a um tipo de aquaporina[2] (AQP-2) presente em suas membranas citoplasmáticas apicais (direcionadas para o lúmen do ducto). A vasopressina regula a retenção de água, ao mobilizar vesículas membranosas no interior das células epiteliais e que possuem em sua membrana as aquaporinas; as vesículas se fundem à membrana celular e, assim , expõe os “transportadores de água”. Isso faz a permeabilidade à agua aumentar, permitindo com que ela seja reabsorvida pelo ducto, voltando para o sangue[3], o que diminui o volume da urina. Em menores concentrações de ADH, a AQP-2 é ressequestrada para as vesículas, diminuindo a reabsorção de água[4] no processo de formação de urina.

O álcool (etanol), presente em diversas bebidas fermentadas e destiladas, é um potente inibidor da síntese de ADH. Assim, há um aumento na diurese, devido a uma menor reabsorção de água nos rins. Isso gera um quadro clínico conhecido como diabetes insípido[5], na qual são excretadas grandes quantidades de líquido, provocando sede extrema no portador (sintoma da desidratação).
Desse modo, o indivíduo afetado por essa situação fisiológica tende a ingerir grande volume de líquido, o que maximiza a poliúria característica, gerando também polidipsia[6], sem incorrer, contudo, em alteração da osmolaridade sanguínea ou da concentração anormal de íons. Se, porém, o paciente não tiver disponibilidade de água, o quadro evoluirá para uma desidratação severa e hipernatremia[7].
Também relacionado a esse assunto está um fármaco conhecido como furosemida. Ele atua especificamente na alça de Henle (uma estrutura do néfron – a subunidade funcional do rim) e tem propriedades diuréticas e natriuréticas (ou seja, aumenta o volume de urina e a quantidade de sódio excretada). (Na figura abaixo, uma representação da estrutura química da furosemida.)

O modo de atuação da furosemida – semelhante aos de outros medicamentos diuréticos que atuam na alça néfrica – se baseia na inibição do transportador Na-K-2Cl, principalmente, na estrutura em questão, mas também minoritariamente nos túbulos contornados proximal e distal. Isso restringe a reabsorção dos íons Na+ e Cl-, gerando uma redução na osmolaridade do sangue que está sendo filtrado, de modo que a água é impelida para os túbulos.
Assim, o volume de urina fica maior, o de sangue, menor e a pressão sanguínea é reduzida. Por isso, a furosemida é indicada para tratar casos de deficiências hepáticas, cardíacas ou renais que tenham desencadeado um edema[8] em alguma região do organismo, além de casos de hipertensão.

Fonte:
                http://en.wikipedia.org/wiki/Diabetes_insipidus

            https://en.wikipedia.org/wiki/Vasopressin 
            https://en.wikipedia.org/wiki/Vasopressin
           Nelson, David L.  Cox, Michael M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Porto Alegre: Artmed, 2011
                          Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Editora Objetiva. Rio de Janeiro, 1a edição, 2001.

            
           



[1] O ADH é produzido pelo hipotálamo e secretado pela neurohipófise. Ele é liberado na corrente sanguínea quando há uma queda na pressão arterial ou ocorre desidratação. Nos dois casos,  a ação do hormônio se contrapõe ao estímulo à sua produção.

* A vasopressina é um peptídeo formado por nove resíduos de aminoácidos em forma de anel, devido à uma ligação bissulfeto entre dois resíduos de cisteína nas posições 1 e 6.

[2] Aquaporinas são canais (geralmente, proteicos) transmembrânicos que possuem em seu interior uma superfície hidrofílica, permitindo o transporte de espécies polares, íons e água.

[3] Com um maior volume sanguíneo, a pressão arterial aumenta. Daí, uma das importâncias do ADH para o controle dessa variável fisiológica. Outra atuação sua é gerar uma vasoconstrição moderada nas arteríolas do organismo, fator que também contribui para o aumento da pressão arterial.

[4] Por isso, o ADH também é conhecido como hormônio poupador de água.

[5] O termo diabetes vem da grande quantidade de urina eliminada e insípido, da ausência de gosto, uma vez que os compostos estão extremamente diluídos e não há excreção de glicose (ao contrário do diabetes melito). A ingestão de álcool, porém, não é a única causa dessa enfermidade, a qual também pode ser gerada por deficiências inatas na produção desse hormônio (por defeitos genéticos) ou problemas em receptores para o hormônio.

[6] Polidipsia é uma sede excessiva causada por diabetes.

[7] Hipernatremia é um excess de sódio no sangue, indicativo de desidratação.

[8] Edema é um acúmulo anormal de liquido em tecidos, principalmente no tecido conjuntivo.

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